quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

E os Grilos Cantavam

Para Bárbara Fontes

E os grilos cantavam.

Ou talvez fosse apenas o som de nossas cabeças, após uma explosão de ruídos, repentinamente deparar-se com o vácuo do silêncio.

À nossa frente, o manto azul enegrecido que veste a noite. Manto que nos faz ver cada olhar solto no céu: a luz de cada estrela. O manto estava esplêndido. Seu esplendor levava qualquer olhar ao céu, tal como a gravidade trazia qualquer corpo ao chão.

A noite respirava com exaustão. Seu ar, solto como algo vivo, percutia onde pudesse ressoar sons: folhas de árvores, telhados, carros, poeiras...uivos. Queria ser ouvida de qualquer forma, como um viajante solitário no deserto. Daí, então, seus uivos.

A noite era uma linda dama solitária.

Em meio ao manto, em algum ponto do manto, vozes sussurravam aleatórias.Premeditavam o adormecer. Vozes sonolentas. Divagavam entre silêncio e outro. Sempre o silêncio. Solto aos sons silenciosos do vento, das folhas, uivos. Sons etéreos. Sons silenciosos.

Havia a cumplicidade de dois criminosos que infrigiram a humanidade. Não se arrependem. Não vão se render. Era o amor recíproco: aquele amor de quem ama a luz do sol; aquele de quem ama o verde das folhas; o vai evem das ondas. O amor de duas crianças que brincam na lama sem culpa.

As vozes eram trocadas pelos corpos como cartas em caixas de correio. Não havia a pretensão da resposta. Não havia o tédio da espera. É que o tempo se ausentara e o espaço já não mais importava.. O vôo foi alçado. Juntamente às vozes evasivas, aleatórias. Alçaram vôo como fumaça buscando a imensidão do céu, numa dança suave e lenta.

Entre as vozes que se alternavam, o silêncio era cada vez maior.Esses intervalos de silêncio minimalista pesavam as pálpebras. Os olhos estavam em chamas. Pediam ao sono, a escuridão. As palavras já não eram tão legíveis. Os olhos já não suportavam mais o peso da música silenciosa: do vento que percute, da dama que uiva, do grilo que canta sob o manto escuro com olhar de estrela.

- Os grilos cantam?- indagaram as vozes quase ilegíveis. As pálpebras cederam. O sono mergulhou na negritude do inconsciente.

E os grilos cantavam.





2 comentários:

Valéria Sasso disse...

E os grilos cantavam.

É lindo...

Bárbara do Amaral disse...

Você nasceu para isso meu amigo: apontar com as palavras a poesia do seu olhar. Muito amor por vc.