segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

8406-4525 : Alô, Bukowski?

462-0614
Charles Bukowski

I get many phonecalls now.
They are all alike.
"are you Charles Bukowski,
the writer?"
"yes," I tell them.
and the tell me
that they understand my
writing,
and some of them are writers
or want to be writers
and they have dull and
horrible jobs
and they can't face the room
the apartment
the walls
that night -
they want somebody to talk
to,
and they can't believe
that I can't help them
that I don't know the words.
they can't believe
that often now
I double up in my room
grab my gut
and say
"Jesus Jesus Jesus, not
again!"
they can't believe
that the loveless people
the streets
the loneliness
the walls
are mine too.
and when I hang up the phone
they think I have held back my
secret.

I don't write out of
knowledge.
when the phone rings
I too would like to hear words
that might ease
some of this.

that's why my number's
listed.


462-0614
tradução: Pedro Gonzaga

agora recebo muitas chamadas de telefone.
todas iguais.
"é Charles Bukowski,
o escritor?"
"sim," eu lhes respondo.
e eles dizem que entendem minha
escrita,
alguns deles são escritores
ou querem ser escritores
e estão em empregos estúpidos e
horríveis
e não conseguem nem encarar a sala
o apartamento
as paredes
essa noite...
querem alguém com quem possam
conversar,
não podem acreditar
que não posso ajudá-los
que não conheço as palavras.
não podem acreditar
que agora mesmo
me dobro em meu quarto
segurando minhas entranhas
e dizendo
"Jesus Jesus Jesus,
de novo não!"
eles não podem acreditar
que as pessoas mal-amadas
as ruas
a solidão
as paredes
também são minhas.
e quando desligo o telefone
eles acham que escondi o
jogo.

não escrevo a partir da sabedoria.
quando o telefone toca
eu também gostaria de ouvir palavras
que pudessem aliviar um pouco alguma
dessas coisas.

é por isso que meu nome está na
lista.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sede

a dor pedia líquido à carne, mas seca, ela só pôde oferecer areia àquela que tinha sede.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Névoa-nada

quando vi a sombra de teu rosto, meu corpo em flecha arqueou à possibilidade do outro e se lançou no abismo de um encontro. num átimo de chegar ao toque, a possibilidade mostrou-se névoa e eu infinitava profundezas com a imagem ainda do sorriso extinto.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Ausência íntima

- olá, quanto tempo... saudades de você!
- (eu também...)

sábado, 28 de novembro de 2009

O enigma da carne

a mulher olha a chuva como quem fosse. cada gota era uma dor molhada de sua carne. como quem ela anda anda. passos incertos. pisa em chãos que abismam passos. sua pele some na carne. ela entra em si a cada passo.

(caminhos do dentro)

o escuro a acalanta e pergunta por que triste - em escuro a resposta:

"se o que nos origina nos é carne, qual é a origem de uma carne que só se sabe dentro de um centro que não pele?"

o escuro a envolve ainda mais. a carne como a chuva se faz gotas que a carrega.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Recado sussurrado no olho do furacão

Respire no coração da pergunta; ali habita o sopro da duração.

domingo, 6 de setembro de 2009

1201


12 de janeiro de qualquer ano e dia: igual. há anos esse calendário estancado na parede, esburacando a duração. ele tem a cor da parede (e que cor?), e não sei um e outro. às vezes, daqui do sofá, o vejo como uma mancha sutil no tempo. eu e o sofá somos sutilezas espaciais. não somos um e outro. somos apenas. e se houvesse quem passasse nesse cômodo, veria apenas "heras arrancadas", e se for possível ver. e se visse, não sei o que veria; minha retina não cheira mais a cor da matéria, não toca mais no coração do tempo. desde o dia que começou a existir uma data: 12 de janeiro; a mancha na parede.

ainda hoje, o sofá em meu colo, abraçando-me no dele - amálgamas simbióticos. a parede nos des-limita; tira-nos o contorno, desfazendo existências.

12 de janeiro nasceu no centro de um verão. como naquele ano. como hoje. como sempre. o verão me repetindo os gestos ao longo da eternidade - prenúncio de morte? (ou a.)

"Quando eu nasci um anjo torto,
desses que vive na sombra
disse:"

repetirás gestos exatos e sem possibilidade de nascença. adentrarás o mundo em comunhão plena, sendo sempre esse mesmo gesto, esse mesmo morto.

12 de janeiro.

foi num dia como esse. num tempo em que ainda haviam janelas que beijavam outras janelas e uma rua cortando os lábios. foi numa época em que, ainda aqui, habitavam contornos. o corpo era exato. o espaço cumpria sua exatidão. e foi na exata incidência do sol queimando o centro da rua que passava um verso inexato, que me tirou o centro.

desfalecida na sarjeta, uma gata dava cria. cada gatinho reivindicava sua porção da mama. os gatos foram devorados pela grande-mãe após o grito primal da primeira mamada.

12 de janeiro me abre o chão: onde em mim habita a morte? onde em mim reina a devoração? o sol queimando o centro da rua revelava o brilho da vida rubra que acabava de extinguir. a janela se fechava.

o quarto onde agora silencio aquele grito primal, é aonde tento espalhar-me em paredes pálidas-perfeitas que não revela rosto. um felino não-nascido se debatendo entre móveis e vazios.

a parede revela-me uma única pedra imutável, pendurada pesada ao calendário: 12 de janeiro.

quinta-feira, 12 de março de 2009

R.

para Rafael (in memorian)

a poesia que deixaste no mundo arde no peito de cada um que fica.
e a morte não significa mais um fim
: os sentidos - todos! - tornaram-se ruínas.

cada qual, aqui, a seu modo levanta, dos escombros,
entulhos que se transforme em algum signo incandescente.

mas o sentido não vem.

e existir torna-se absurdo,
e os lugares da memória - todos desabitados.

(habitar um corpo, nestas condições, é invivível)

enquanto procuramos dentro do fogo
o segredo dos signos,
celebramos tua existência dentro de um tempo ancestral.

todos, numa orgia pan-espacial
enlouquecemos de corpo

(como existir depois de ?)

terça-feira, 3 de março de 2009

- entre

habitante de uma terra alicerçada por abismos, caminho a passos incertos de amanhã: cada passo pode parir uma morte. guiado pela vertigem, ergo ruínas que caibam meus pés, compassadamente. o caminho nasce no entre-do-pé-com-o-nada.