segunda-feira, 14 de abril de 2008

Somos todos macacos, macacos

"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isso é
ser uma pessoa?"
(Clarice Lispector, in A hora da Estrela)

e continuo.

(e me desculpe, não dá para fazer literatura, se era este o esperado.)

e como era de se esperar, a coisa toda já aconteceu. Foi assim:
"ah!, acho que foi o pai."
"não, não: foi a madrasta com ciúmes!"
"mas, e a mãe que nem chora... aí tem coisa"
"e ela tem um namorado, acho que os dois... ela não tinha boa relação com o pai da tadinha."

um anjo de cinco anos morre. a data é 25 de março de 2008. é lançado de um prédio, do sexto andar. quem o fez, cortou com uma tesoura a rede de proteção (que talvez protegeria o anjo), antes de dar corpo ao ato. o anjo voa e queda ao chão. uma morte. mais um anjo.

e mais um esquecimento.

a pouco tempo do acontecimento, a morte já foi esquecida. o que ficou já é outra coisa: quem matou? e a forma como a coisa toda é levada é tão nojenta quanto os critérios de votações a que se prestam milhões de pessoas para se eliminar alguém num programa de reallity show.

pai mãe madrasta, seja quem for: será descoberto. a questão que me fica é: até quando? a medicina já se avançou para a cura de muitas doenças. e quem tem a fórmula para a cura da babárie primitiva do ser humano?

exclama-se: a que ponto chegamos!
exclamo: a que ponto ainda estamos!

e a culpa é lançada para todos e de todos os lados. menos para o de cada um de nós, que somos tão culpados quanto. culpados por se calar diante de um corpo jovem e agora sem vida; pelo barulho que nada mais é que expiação de culpa. assassinatos que cometemos de olhos fechados.

e antes que a coisa toda desse um fim em si mesmo ao esquecimento, este já veio há muito: pensar no pai na madrasta na mãe no namorado se existe ou não um deus, é esquecer de um corpo que se foi. um corpo dissolvido num circo de cegos clinicamente sadios.

e que todos nós assassinamos.

(quem cala sobre seu corpo, consente na sua morte - Menino, Milton Nascimento)

e não sei se vale a pena (e se me lembrarei de!) continuar...

Um comentário:

Valéria Sasso disse...

(Um corpo dissolvido num circo de cegos clinicamente sadios).
Palavras que dispara e para o que não consigo descrever.
A que ponto ainda estamos!
Adoro ler o que escreve e sentir o que sente.
Forte Abraço, bjs bjs.