O canto da parede do quarto, numa fresta entre o guarda roupa e a parede era o seu lugar. Seu até que alguém colocasse algo ali. Na verdade, era um desabitado.
Em algum momento em sua vida fez parte de um círculo social onde era chamado de amigo. Ele não se lembra bem, e hoje não sabe e nem imagina o significado dessa palavra. Nem pensa nisso. Simplesmente não pensa. Seus olhos ficam vidrados, ávidos, num ponto vazio no espaço, que facilmente acredita-se que ele avista o chão.
Chão. Foi ele.
Sua boca adormecida era uma casa abandonada onde reinara o silêncio. Saia delas apenas heras decrescentes de líquido transparente e viscoso.
Amigos. Se ele tivesse consciência do que era essa palavra – hoje inexistente a si – chamá-la-ia de ausência. Sua única companheira.
O que é homem, quando sua única posse é o corpo? Antes, quando tinha algo além, era cercado de outros corpos que o simpatizavam. Ele até chegou a acreditar na palavra amizade. Não, mais que isso: era uma família que ele possuía. Fora e dentro de sua casa.
Mas agora, mudo, que palavra lhe salvaria? Ausência. Alguém em plena sanidade não arriscaria chama-la de palavra. Guarda-se ela muda dentro de si. Ausên... Ele, que já não pensava, teve a ousadia e coragem de conviver com essa in-palavra. Pois com ela não se escolhe o convívio. Acontece.
Quantos corpos passaram por sua vida. Quantas vidas compartilhadas. Solidões acompanhadas. Agora sem companhia nenhuma. Sua solidão à mercê da ausência. Na derrelição, no abandono. Num canto que não lhe pertencia. Seu último abraço foi dado a um chão. Como um beijo na boca. Um encontro precipitado há anos, desde o primeiro beijo naquela ardência de líquido transparente. Este não era viscoso.
O beijo da morte. O chão. Foi ele.
Tirou-lhe todos os corpos de sua vida. O que é o homem, quando sua única posse é o corpo? E o que é o homem, quando nem seu corpo lhe pertence?
Uma fresta. Um espaço vazio entre o guarda roupa e a parede.
2 comentários:
Diogo!
Uma imagem me vem à cabeça: alguém à beira de um...de um lugar alto. Precipício, ponte, viaduto, ou mesmo um prédio alto. Um arranha-céu desses que, de tão alto e imponente fica como onipresente, visto de qualquer parte da cidade.
Esse alguém quer mergulhar para o vazio. Melhor ainda se, durante a curta viagem de ida, lhe aparecer visões de algo que poderia ter sido e não foi.
Mais: durante a fatídica ida, ter a certeza de que, naquele único momento em que se dispôs do corpo (mesmo que para estraçalhá-lo contra um chão qualquer), o corpo lhe pertenceu plenamente.
É o que resta em uma era que, se você não tomar cuidado com os seus momentos, com sua "vidinha" e o que faz dela, nada lhe restará. Nem seu tempo, nem seu corpo, nem suas vontades.
E...
Diogo, eu juro que um dia vou tirar você desse lugar!
Parabéns pelo blog!!
Sua admiradora secreta - Dóris
(ops, escapou...)
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