domingo, 6 de setembro de 2009

1201


12 de janeiro de qualquer ano e dia: igual. há anos esse calendário estancado na parede, esburacando a duração. ele tem a cor da parede (e que cor?), e não sei um e outro. às vezes, daqui do sofá, o vejo como uma mancha sutil no tempo. eu e o sofá somos sutilezas espaciais. não somos um e outro. somos apenas. e se houvesse quem passasse nesse cômodo, veria apenas "heras arrancadas", e se for possível ver. e se visse, não sei o que veria; minha retina não cheira mais a cor da matéria, não toca mais no coração do tempo. desde o dia que começou a existir uma data: 12 de janeiro; a mancha na parede.

ainda hoje, o sofá em meu colo, abraçando-me no dele - amálgamas simbióticos. a parede nos des-limita; tira-nos o contorno, desfazendo existências.

12 de janeiro nasceu no centro de um verão. como naquele ano. como hoje. como sempre. o verão me repetindo os gestos ao longo da eternidade - prenúncio de morte? (ou a.)

"Quando eu nasci um anjo torto,
desses que vive na sombra
disse:"

repetirás gestos exatos e sem possibilidade de nascença. adentrarás o mundo em comunhão plena, sendo sempre esse mesmo gesto, esse mesmo morto.

12 de janeiro.

foi num dia como esse. num tempo em que ainda haviam janelas que beijavam outras janelas e uma rua cortando os lábios. foi numa época em que, ainda aqui, habitavam contornos. o corpo era exato. o espaço cumpria sua exatidão. e foi na exata incidência do sol queimando o centro da rua que passava um verso inexato, que me tirou o centro.

desfalecida na sarjeta, uma gata dava cria. cada gatinho reivindicava sua porção da mama. os gatos foram devorados pela grande-mãe após o grito primal da primeira mamada.

12 de janeiro me abre o chão: onde em mim habita a morte? onde em mim reina a devoração? o sol queimando o centro da rua revelava o brilho da vida rubra que acabava de extinguir. a janela se fechava.

o quarto onde agora silencio aquele grito primal, é aonde tento espalhar-me em paredes pálidas-perfeitas que não revela rosto. um felino não-nascido se debatendo entre móveis e vazios.

a parede revela-me uma única pedra imutável, pendurada pesada ao calendário: 12 de janeiro.

4 comentários:

Suelen Maria Rocha disse...

Meu belo, você nasceu para a poesia.
Ela agradece a sua existência em matéria.
Sem você, a poesia me faltaria um pedaço.
Adoro ter a possibilidade de te ler e de te ver.
Muitas vezes revisitei seu blog a procura de uma imagem (des)construída.
Você me faz crer que o mundo sem poesia não tem vida.
Sua retina não toca mais no coração do tempo, e meus olhos lamentarão um dia por ter de adormecer todo dia com o prejuízo de viver no silêncio das palavras.
Já deve ter lido "Lugar" de Herberto Helder. Mas releia. Muito vejo um diálogo entre este teu ultimo escrito poético e a imagem de desconstrução do poeta português.

Sei que o dia 1201 é
"uma coisa incompreendida no instante
de morrer para a frente"
(H. Helder , "Lugar" in "Poesia Toda")

um beijo lunar-solar.

Fernanda Monte disse...

amo os 12/01.
desculpe.

-E2R- disse...

Desculpe, sei que vc dirá: que exagero! mas vc me lembrou um pouco de Machado, quando diz que houve um dia um corpo e que agora, se fosse possível ver, o que veria? Me parece a imagem desfalcada de um personagem que se olha no espelho e não se vê mais no conto sobre a teria das duas almas!
Os desencantos não cessam, nem lá, nem cá...
bjs...

m. sagayama disse...

o senhor é um pilantra!