(sobre um tema de Dylan)
sua voz amputada de meus ouvidos. não mais gosto de ti quando calas: está de fato ausente. o sol rasga o céu tirando dele a noite. estou no claro e me sinto cego, sabe que não sei como me comportar na luz. aliás, estou no claro e com sono e sem pálpebras.
escondo-me em escombros em construção e destruo minha alma. ela está quente e derretendo. me acostumei (ou acostumou-me?) com a escuridão e o frio. quero entrar num freezer, mas estou claustrofotofóbico. a multidão de raios solares me deixou assim. estou sem jeito de ser. sem saída. tento o de dentro, mas não encontro. não o vejo na luz.
a luz me faz tua voz ser diferente. não a reconheço, mesmo se você me falasse diretamente ao ouvido. claro assim, sou surdo de ti. procuro agonizante tua voz numa multidão polifônica. e mesmo que a sua esteja, na luz ela tem outras propriedades; outros vocabulários, outras entonações, gírias, discursos... não te reconheço na luz.
penso-me agora incompatível a teu sangue, você que se sabe na claridade e eu, no escuro. (será que me reconheces na luz?)
algo está acontecendo neste lugar iluminado. ouço moedas caindo num recipiente metálico aos meus pés. uma multidão de vozes me cercam. talvez você esteja por perto, mas não sei se pode me salvar.
você me reconhece na luz?
algo está acontecendo. mas você não sabe do que se trata. ou sabe?
(o verão me engoliu o que eu poderia ter sido)