quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A língua nômade



se eu falasse a língua dos atravessadores de desertos
se eu falasse toda a areia caída de seus ombros,
se eu falasse ainda a paisagem árida de seus dentes
a paisagem pura dos animais esfaimados
se eu falasse os animais assentados na saliva seca
se eu falasse de dentro da sede dos que morrem sob a lua
se eu falasse os dias habitados na pele da serpente
encerrados nas urnas que guardam as faltas todas
se eu falasse as estrelas pendidas nas pontas dos dedos
se eu falasse o sangue sustentado na costela ausente
se eu falasse a mulher o homem a criança e o centro da adaga
se eu falasse as falésias mudas pendidas na garganta
se eu falasse a voz das flores de sua saia
fazendo ventos em meu desejo
se eu falasse voz corpo o que quer que seja
se eu falasse a delicadeza deitada no mês de julho
se eu falasse as flores cobertas de fogo
se eu falasse os acentos inaugurais de um sorriso
se eu falasse o nome guardado em mim esta noite
se eu falasse
se eu falasse a verdadeira letra que iniciasse o verbo
se eu falasse os números quebrados em teus lábios rotos
se eu falasse o sim o não o nunca o agora
se eu falasse então isso assim lá onde
se eu falasse quando
se eu falasse quente o segredo da sopa
se eu falasse a mágoa acesa nos joelhos
se eu falasse as pedras que choram o chão
se eu falasse durma a grama de seu azul turbante
se eu falasse irilisili
se eu falasse anijiriraã
pisiriliá irujna keresê
khraô sirilitili keresaranaã
se eu falasse

se eu falasse.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Há uma vocação dentro do nome

há uma vocação dentro do nome.
e cada grito são flores saídas dos lábios
quando a noite ainda é aceno.

há uma vocação. e os ventos
nos mexem o alfabeto segredado
no mais fundo acima da terra.

era noite. e os nomes evocavam a vida.
a morte era ainda a criança vindoura
que gritava sua luz rupestre.

as mãos trabalhavam no nome a sua vocação.
mãos femininas designando o desejo,
pairando sobre as cabeças consteladas.

há uma vocação dentro do nome. e todas as letras,
guardadas ao fundo de outras vozes,
evocam cores segredadas no infinito