quinta-feira, 7 de junho de 2012

Outono morto


cantasse o pássaro à boca do outono
e o húmus anunciado a morte nos ossos
toda voz teria morada em si um suicídio

uma morte é lentamente nos cantos
onde as axilas são côncavos de uma língua
morta na garganta de uma musa crespa
existida fora da pele que avança dedos
espetados em lágrimas cor de amianto
cujo rosto se enfesta de cansaço e tédio
esfarrapado na neblina agora quase

o bico do outono era neblina nos cantos
rangidos de folhas abertas ao fosso
mamilos de cem línguas apodrecidas
ao relento ontem quando

três bolivianas teciam moiras disfarçadas
em galpões de Lao-Tsé e os rostos todos
felizes enquanto tudo era já festejado
fora das moedas de celofane

a velha rancheira cantava grave com tabaco
podre na garganta un dolor picante
debaixo das línguas pervertidas

a língua guardava teias orvalhadas
amanhecidas de bolor na boca
cujos lábios desenhavam um Ó inaugural
abençoando as nuvens roxas de cianureto

o rosto que guardava a boca era húmus seco
e havia morrido cem anos antes
de que se pudesse apodrecer sequer já

debaixo de um velho caroço o outono
mora em fumaças perplexas de horas
onde todo sal se consome em fígado e prata
onde todos os azuis são amores recusados de Dafne
a um deus manco e cagado de rumores de ossos
quando a dança é tronco e feridas lá onde

a voz do outono é tabaco grave
toda vida azul cerzida por três bolivianas moiras
tecendo ossos
bocas mofadas de tédio guardadas no rosto de uma ferida
aberta para o fosso e para os destinos
de onde quem lá quase
pudera.